*Paulo Sergio João
A discussão que tomou conta da mídia e que colocou em destaque a necessidade de que os trabalhadores empregados tivessem mais tempo para se dedicar à vida privada e ao lazer, traz reflexões relevantes em torno das novas dimensões da relação de emprego. Há rejeição ao atual tempo de trabalho normal, de 8 horas diárias e 44 semanais, considerado impeditivo para usufruir de qualidade de vida.
Todavia, seria este tema prioritário para que o emprego exercesse efetivamente sua função social ou haveria outros anseios dos trabalhadores? Ainda não se observam reivindicações dos sindicatos e o que pensam sobre o assunto.
Neste sentido, é sempre oportuno lembrar que o direito do trabalho é um direito de conquistas, condicionado a fatos relevantes e que atendem à necessidade de um pacto que envolveria múltiplas partes e interesses.
Pela Constituição de 1988, os trabalhadores receberam a realização de alguns direitos já previstos em normas coletivas, como por exemplo, redução de jornada e férias anuais remuneradas com pagamento de 1/3. Entretanto, de forma paradoxal, com a Constituição de 1988, perderam direitos que sempre lhe foram caros e o legislativo nacional ainda é devedor de respostas.
A propósito da redução de tempo para 44 horas semanais, houve inovação ao estabelecer limite semanal e não diário apenas. Logo o número mensal de horas foi reduzido de 240/mês para 220/mês. Em palavras outras, o número de horas recebidas foi reduzido, contrariando algumas negociações coletivas da época em que, apesar da redução da jornada, o salário contemplava 240 horas. O ganho social foi significativo porque se trabalhava menos e se recebia o mesmo salário de 240 horas.
Entretanto, o que parecia um ganho, logo se dissipou com a redução do número de horas pagas (220) e, aquilo que representou aumento real imediato, foi absorvido em compensações nos reajustes salariais. Dito de outra forma, o ganho se transformou em prejuízo rapidamente.
Neste momento, em que se pautou a redução de tempo de trabalho semanal, essa discussão deve se colocar em primeiro plano para que se estabeleça um marco histórico dos salários e não se reduza, novamente, o ganho mensal sob o pretexto de redução de jornada.
Há um lado sombrio e sensível sobre o qual o legislativo deveria se ocupar com prioridade: trata-se da preservação do emprego com garantias de subsistência aos trabalhadores. Não apenas jornadas menores, mas a certeza do emprego.
Naquela época, em 1988, o Constituinte, ao afirmar que a relação de emprego estava protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, prometeu que uma norma complementar fosse aprovada a fim de instituir uma indenização compensatória. Passados 36 anos, nada se construiu em torno do assunto e, parece, não ser mais de interesse tratar deste assunto que remete à tipologia antiga de relação de emprego.
De outro lado, a antiga indenização pelo tempo de serviço, de um salário por ano, desapareceu com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço que se transformou em crédito trabalhista comum, prescritível em cinco anos, afastando-se do conceito de que seria patrimônio acumulado pelos anos de prestação de serviços ao longo dos anos.
Atualmente vivemos na relação de emprego descartável e sem responsabilidade pelo ato da dispensa. Alguns diriam que a multa de 40% representa um fator inibidor e penaliza o empregador, valendo como uma resposta à ausência de norma complementar, suprida, provisoriamente, na previsão do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Os exemplos colhidos em outros países podem não servir ao nosso contexto de país com dimensão continental, com regiões econômicas absolutamente desiguais e com setores de atividade econômica com necessidades especiais. Por esta razão, os sindicatos profissionais deveriam se fazer mais ativos e presentes na discussão ou os trabalhadores e empregadores poderiam se ajustar às próprias condições nos locais de trabalho.
A prioridade deveria caminhar no sentido de valorizar o emprego com regras que sirvam para sua fixação, permitindo a construção de modelos de integração no ambiente democrático de trabalho e que proporcionem realização pessoal e profissional dos trabalhadores.
De tudo que se viu, a discussão em torno de tempo de trabalho tem, efetivamente, sua relevância, mas deve ter uma abordagem no conjunto dos efeitos que pode produzir, em especial considerando os exemplos do passado e incluindo em seu bojo outras prioridades a fim de que sejam valorizadas e preservadas as conquistas sociais.
*Paulo Sergio João é advogado, professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e autor do livro “Dez Anos de Reflexões Trabalhistas”.
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