*Paulo Sergio João
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, na medida cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.794 MC/DF — ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos (Contimaf) e outras entidades sindicais laborais, mais a Confederação Nacional de Turismo e outras entidades patronais, inconformadas com a nova redação do artigo 578 e 579 da CLT, que transformou a contribuição sindical em faculdade do empregado perante o empregador —, proferiu despacho em que assinala relevantes passagens históricas do nosso sindicalismo e, fundado na melhor doutrina sobre o tema, levou o tema a uma grande incerteza da prevalência do que fora aprovado pela Lei 13.467/17.
Sustenta-se após a evolução histórica que faz em que o modelo sindical está assentado em um “tripé: unicidade sindical, representatividade obrigatória e custeio das entidades sindicais por meio de um tributo, ou seja, a contribuição sindical”, reconhecendo “que a mudança de um desses pilares pode ser desestabilizadora de todo o regime sindical, não sendo recomendável que ocorra de forma isolada”, sob pena de impedir que os sindicatos busquem novas formas de organização, “mais eficazes para defender os direitos dos trabalhadores e resistir à ofensiva patronal” (apud Galvão, Andrea (Coord.). Movimento sindical e negociação coletiva. Texto para discussão n. 5. Cesit, Unicamp, 2017).
Da mesma forma que considera o modelo jurídico-constitucional em sua integralidade, aponta o ministro para o fato de que a unicidade sindical e a representação sindical compulsória por categoria “não atendem às melhores características de um modelo sindical”.
Efetivamente, o modelo sindical livre, que atenda ao princípio da liberdade sindical, não pode conviver com a compulsoriedade de representação. A formação histórica do sindicalismo brasileiro revelou forte intervenção do Estado na representação classista com controle político e ideológico, favorecido pela instituição de contribuição compulsória, controlada pelo Estado e subtraída de trabalhadores e empregadores totalmente desvinculados, em sua maioria, da representação formal legal.
Com todo respeito ao encaminhamento do despacho, unicidade sindical e representatividade compulsória com custeio forçado não dizem respeito ao modelo de Estado Democrático de Direito em que o exercício de liberdade sindical deve conviver com as liberdades públicas. Nesse sentido, no período do regime militar, a legislação sindical era absolutamente a mesma e da qual a Constituição Federal de 1988 não conseguiu se libertar.
A proclamação parcial da liberdade de associação profissional ou sindical (artigo 8º, caput, da CF), com o caráter compulsório de contribuição sindical, fez surgir novas entidades sindicais, criadas em gabinetes, sem vinculação de efetiva representação. Passou a ser um negócio que não condiz com a presunção do despacho de que sua alteração e adequação ao exercício da liberdade sindical, bem maior a ser protegido, choca-se com o direito a um regime sindical e que colocaria em dúvida a unicidade sindical e a representação obrigatória de toda a categoria.
O sindicato livre é condição do exercício das liberdades públicas e em nenhum momento proíbe ou coloca em risco a livre manifestação de formação e adesão sindical. A unicidade de representação se faz na forma de negociação, a teor da Convenção Internacional 98 da OIT, e não pelos aspectos formais limitadores de liberdade de opção política que, se levado aos aspectos históricos do sindicalismo brasileiro, talvez tenha sido a causa maior do dirigismo estatal e da insegurança jurídica que trazem as negociações coletivas.
Vale, ainda, destacar o princípio constitucional da não intervenção do Estado nas questões sindicais e, considerando que o Supremo Tribunal Federal exerce funções legislativas, enfrentaremos o risco de que tenhamos afronta à liberdade sindical individual com ofensa aos direitos fundamentais individuais.
Não é demais também lembrar que o despacho se equivoca ao se referir à contribuição sindical, cujo valor arrecadado, nos termos do disposto pelo artigo 589, da CLT, teria 10% destinado à Conta Especial Emprego e Salário (FAT). Data venia, o percentual atribuído ao FAT é de 20% do apurado, sendo reduzido em 10% quando a entidade sindical laboral assim se manifesta. Em palavras outras, a arrecadação do Estado de 20% pode ser reduzida de 50%, a critério do sindicato profissional, determinando que 10% sejam destinados à central sindical de opção ideológica do sindicato, sem nenhuma interferência dos trabalhadores (Lei 11.648/2010). Ora, parece que não se sustenta a natureza jurídica de tributo porque lei ordinária já autorizou a alteração na forma de distribuição e por livre arbítrio e desejo político dos sindicatos profissionais.
Mantida a contribuição sindical, pode ser perdida a oportunidade de sindicatos fortes e representativos, responsáveis e criativos no sentido de se aproximar dos representados de forma a justificar sua finalidade.
Mantida a contribuição sindical, seguiremos com sindicatos fracos e Justiça do Trabalho forte, com a litigiosidade crescente em razão da falta de credibilidade na legitimidade sindical.
* Paulo Sergio João é advogado e professor de Direito Trabalhista da PUC-SP e da FGV.
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